sexta-feira, 1 de agosto de 2025

AURORA 2

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Mas o que espero reencontrar? E como assim reencontrar? Como posso dizer ser isso um reencontro se é bem possível que as coisas que eu encontrarei na ribeira me sejam coisas que de verdade nunca vivi? 

Eu vou navegar pelas águas do rio e imaginar ali, jovens, a minha mãe, meu pai, meus irmãos? Quem sabe eu toque a pele de uma velha árvore cismando que ela testemunhou a minha vida antes de ser a minha vida...  Nos caminhos que ligam os lugares, que ainda não sei o nome, vou sentir as pegadas de meus antepassados e nas rodas de conversas vou ouvir os velhos e suas intermináveis histórias sobre a infância de meu pai. Mas que velhos? O velho agora sou eu. É possível que não haja mais nenhuma testemunha dos tempos meninos de meu pai que seja capaz de descrevê-lo moleque a nadar pelo rio na preamar. Mais vou me contentar em imaginá-lo e... sentir tanta saudade dele a ponto de chorar.


Decerto que um barco vai me levar e eu nessa ida sentirei o cheiro de óleo diesel incendiado pelos motores de naus barulhentas e velozes, muito diferentes do tempo em que a Missionária, carregada de telhas, desatracava do trapiche da olaria de meu avô, lenta, com grandes velas içadas, linda, linda...

Quando vou ter essa coragem de ir?


Quando?

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AURORA 1

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Onde mora a dor que me marcou tão profundamente a carne e a alma?  Essa pergunta o tempo me sopra sempre que me sinto tão ruim comigo mesmo, diante de minha própria companhia, quando de alguma forma eu consigo medir o tamanho de minha infelicidade.


Eu preciso dizer-me infeliz, profundamente infeliz. Dizendo-me assim, aceitando-me assim, quem sabe eu consiga medir ao alcance dos meus passos o caminho que talvez vá me levar à cura. Suponho que a cura para minha infelicidade esteja onde tudo começou. É por isso que há uns dias planejo voltar ao brejo onde nasci. O brejo onde vivi a minha primeira vida, uma vida que eu já não lembro mais, que vivi desde o momento em que fui parido até os quatro anos de idade. Eu tenho uma forte suspeita que nesse curto espaço de tempo eu vivi a minha mais completa felicidade. Ali no brejo, na mata, na beirada do rio, no meu lugar mais amado, o meu éden já tão antigo e distante.

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quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

RESPIRAR

 A traquéia sempre fez uma força fora do comum para o simples ato de engolir. E isso, com o passar dos anos desenhou umas rugas acentuadas abaixo do queixo. Olha só baby! Envelheci!